30 outubro 2007

A ANNE FRANK POLACA


"Não sei se vou sobreviver, mas quero que o meu diário seja conhecido para que as pessoas saibam o que aconteceu aos judeus." Foi sem rodeios que Rutka Laskier encarregou a amiga Stanislawa Spaniska de esconder o seu diário caso fosse levada pelos nazis. Estávamos em 1943 e a adolescente polaca de 14 anos sabia que provavelmente não escaparia à violência do Holocausto. Rutka vivia com o pai, Yaacov Laskier, que era bancário, a mãe, Dorka, e o irmão mais novo, Henius. Apesar de ter nascido em Gdansk, antiga Danzig, em 1929, a família mudou-se para Bedzin no início dos anos 30 e foi lá que a adolescente escreveu o diário, agora publicado em livro, e que a tornou conhecida como a Anne Frank polaca.

Depois de os alemães terem confiscado a casa dos Laskier, foram morar para um gueto aberto. Rutka, os pais e o irmão dividiam um quarto da casa da família católica Spaniska, que tinha sido ocupada pelos nazis. Ao contrário de Anne Frank, Rutka tinha alguma liberdade para andar nas ruas, o que lhe permitiu ver o que os alemães faziam aos judeus. De estrela amarela ao peito, a adolescente moderna, que usava calças, viu a sua inocência desaparecer à medida que assistia aos alemães a espancarem jovens e ouvia histórias sobre os campos de concentração e as câmaras de gás. A polaca refugiou-se no seu diário.

O diário

Durante quatro meses escreveu nas 60 páginas do caderno escolar tudo o que lhe ia na mente: desde o primeiro beijo, à relação com as amigas e ao futuro dos judeus.

A primeira entrada do diário foi a 19 de Janeiro: "Não consigo acreditar que já estamos em 1943, e vivemos neste inferno há quatro anos..." Na descrição do dia 6 de Fevereiro esse inferno torna-se bem real: "Vi um soldado a arrancar um bebé de meses do colo da mãe e atirá-lo contra um poste de electricidade." Mas, com a mesma facilidade que Rutka descrevia episódios que pareciam ter saído de um filme de terror, ela deixava transparecer as suas dúvidas mais inocentes. "De repente enquanto conversávamos, ele (Janek) disse que gostava muito de me beijar. Eu respondi: 'Talvez'..." A última vez que Rutka escreveu foi a 24 de Abril de 1943: "Estou entediada. Passei o dia inteiro a andar de um lado para outro no quarto, sem nada para fazer."

Em Abril, os Laskier foram para um gueto fechado em Bedzin. No dia em que levaram Rutka, a amiga Stanislawa escondeu o diário no local escolhido por ambas: dentro das escadas que davam acesso à cave da casa.

Quatro meses depois, a família Laskier foi levada para Auschwitz e 24 horas após terem chegado ao campo de concentração Rutka, o irmão Henius e a mãe, Durka, foram enviados para as câmaras de gás e morreram. O pai, Yaacov, foi para um campo de trabalhos forçados e sobreviveu.

Depois de a Segunda Guerra Mundial ter terminado, Stanislawa voltou à sua antiga casa e encontrou o diário intacto. Durante 63 anos guardou-o em segredo, e só o tornou público quando o seu sobrinho a convenceu de que aquele documento histórico devia ser conhecido. Quase na mesma altura em que o mundo conheceu a nova Anne Frank, a filha mais nova de Yaacov Laskier, Zahava Schertz, descobriu quem foi a sua meia-irmã Rutka.

A irmã que não a conheceu

No dia 13 de Janeiro de 2006, Zahava recebeu um telefonema que mudou a sua vida, pois ficou a saber da existência do diário da irmã. "Foi uma grande surpresa para mim. Sabia que o meu pai tinha tido uma família e que a perdera no Holocausto, mas só o descobri aos 14 anos. Encontrei uma fotografia de Rutka e ele contou-me o que se passou, mas não gostava de falar nisso, era demasiado doloroso", conta Zahava.
Depois do Holocausto, Yaacov Laskier refez a vida em Israel. Voltou a casar, teve uma filha, Zahava, e morreu em 1986.

Apesar de saber muito pouco sobre quem era a sua irmã, a professora do Instituto de Ciência Weizmann, em Israel, achou importante chamar à sua filha mais velha, hoje com 30 anos, Rutka. Depois de ler o diário, Zahava sentiu-se muito mais próxima da adolescente que nunca conheceu, e até encontrou semelhanças com ela. "Somos as duas muito energéticas", afirma.
O diário original está no Museu do Holocausto em Israel, pois Zahava fez questão de doá-lo. Mas não só. A professora universitária fez com que fosse traduzido para hebraico e inglês.

Desde a primeira vez que Zahava leu o diário encontrou uma missão: dar a conhecer a força da sua "irmã mais nova", como gosta de a chamar. "Não é um diário depressivo, ela era uma lutadora e uma pessoa muito especial. É importante que se conheça o que se passou nessa altura, para que nunca se volte a repetir", diz Zahava.|

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